Motocicletas e subculturas

Desde que surgiu, a motocicleta faz parte da sociedade em várias culturas no planeta. Além de um meio de transporte, as motos se tornaram símbolo de rebeldia e liberdade, dando início a vários movimentos culturais ao longo da história e transformando a sociedade

Motoclubes


A história dos motoclubes nasceram praticamente junto com as motos. Um dos primeiros registros relata que em 1903 o New York Motorcycle Club se uniu com o Alpha Motorcycle Club of Brooklyn dando origem ao Federation of American Motorcyclists, embrião do AMA (American Motorcyclist Association), que em 2015 contava com mais de 200 mil associados e mais de 1200 motoclubes.

Mas o surgimento em massa dos moto clubes e sua disseminação cultural se iniciou logo após a Segunda Guerra Mundial principalmente nos Estados Unidos, com soldados veteranos que não conseguiram se adaptar à tranquilidade e rotina de um cidadão comum. Nestes novos tempos, as motos substituiriam os aviões e os tanques blindados, as jaquetas de couro seriam sua nova farda, e o mais importante: a fraternidade das fileiras militares estaria novamente presente nas sedes dos moto clubes. Assim como num grupo militar, estes moto clubes logo adotariam hierarquias rígidas, brasões e juramentos de lealdade ao grupo. A imagem negativa dos moto clubes começaria a emergir em 1947, quando, grupos de motoqueiros passaram a fazer arruaças e rachas ilegais durante um evento motociclístico na pequena cidade de Hollister. Apesar de brigarem apenas entre si e não cometerem maiores danos à cidade, a imprensa publicou reportagens sensasionalistas que davam uma dimensão exagerada dos fatos. Durante o incidente, a AMA supostamente teria declarado que "99% dos motociclistas dos Estados Unidos eram cidadãos de bem e seguiam a lei. Uma carta do editor da revista Motorcyclist declarava que a arruaça em Hollister foi responsabilidade de apenas 1% dos motociclistas que estavam no evento.Filmes como "O Selvagem" estrelado por Marlon Brando só ajudaram a propagar a má fama dos motoqueiros diante da opinião pública. A partir deste cenário, grupos de motoqueiros passaram a vestir esta imagem de fora da lei e fariam questão de se auto entitular o 1% que não obedeciam às leis, e fariam questão de não se enquadrar em nenhuma regra da AMA. A partir dos anos 60, os veteranos da Guerra do Vietnã também engrossariam as fileiras dos moto clubes, e aqueles sob o rótulo do 1% (ou outlaws motorcycle clubs) passaram a sobreviver de extorções, jogos ilegais, assassinatos e tráfico de drogas. Com extinto militar de defender e conquistar territórios e a necessidade de preservar suas áreas para suas práticas criminosas, não demoraria para que estes motoclubes começassem verdadeiras guerras por cidades e até mesmo estados. Motoclubes como os Hells Angels, Mongols, Pagans e Outlaws passariam a ser considerados pelas autoridades como organizações criminosas. Mas apesar da imagem negativa criada pela mídia e por alguns grupos, vale salientar que a maioria esmagadora dos moto clubes não só nos Estados Unidos mas no mundo inteiro, são instituições voltadas ao lazer, realizam viagens e enventos de caridade. No Brasil a primeira associação foi o Moto Club do Brasil fundada em 1927 no Rio de Janeiro, um dos mais antigos do mundo. Nos Estados Unidos, o moto clube mais antigo em atividade reconhecido pela AMA são as Motomarmaids M.C. fundado em 1940 por um grupo de mulheres motociclistas e que mantém seu nome e seu estatuto inalterados até hoje.

Rockers & Mods


A subcultura rocker foi centrada na motocicleta, e sua a aparência refletia isto. Rockers geralmente vestiam trajes de proteção como jaquetas negras de couro e botas de motocicletas. O estilo foi profundamente influenciado por Marlon Brando no filme O Selvagem.[1] O penteado típico era no estilo "pompadour" com costeletas, enquanto o genero musical era o rock and roll dos anos 1950, tocado por artistas como Eddie Cochran, Gene Vincent, e Bo Diddley. Até o período pós-guerra, a motocicleta tinha uma imagem positiva na sociedade britânica, sendo associada com saúde e glamour. No início dos anos 1950, a classe média podia comprar carros de baixo custo, então as motocicletas foram relegadas a transporte de pobres.

A subsultura rocker surgiu de vários fatores: o fim do racionamento do pós-guerra no Reino Unido, uma nova era de prosperidade entre os jovens da classe trabalhadora, uma recente disponibilidade de crédito financeiro para os jovens, a influência de música popular e filmes americanos, a construção de vias arteriais semelhantes a pistas de corridas nos arredores das cidades e o auge da engenharia motociclística britânica.

Durante os anos 1950, eles foram conhecidos como os Ton-Up Boys, pois na gíria inglesa "doing a ton" siginificava pilotar acima das 100 milhas por hora (160km/h). Os transport cafés (lojas de conveniências à beira das estradas) se tornaram ponto de encontro entre estes motoqueiros que realizavam corridas de rua entre os cafés das cidades, originando o termo café racers. Compravam motos comuns e as modificavam para as deixarem mais parecidas com motos de competição. Eram equipadas com bancos monoposto, grandes tanques de gasolina em alumínio polido, guidões baixos montados diretamente nas bengalas de suspensão eram as modificações mais comuns. Era comum montar uma cafe racer montando um motor Triumph num quadro Norton, que dava origem a motos apelidadas de "Triton". Matchless, BSA e Royal Enfield também eram comuns entre as cafe racers. Os rockers criaram um esporte e o transformaram num estilo de vida, e se rebelavam quando seus desejos se chocavam com os padrões da sociedade. E isto começou a prejudicar a imagem pública do motociclismo no Reino Unido.

A grande mídia começou a taxar estes jovens como "demônios populares", criando um pânico moral através de retratos altamente exagerados e infundados. Nos anos 1960, devido à fúria da mídia em torno dos mods e rockers, qualquer jovem motoqueiro passou a ser comumente conhecido como rocker, um termo pouco conhecido fora dos pequenos grupos. O público enxergava os rockers como ingênuos, loucos, desalinhados, cowboys motorizados, solitários e estranhos. Mesmo assim, com seu visual e suas atitudes, influenciaram grupos pop nos anos 1960, como os Beatles bem como bandas de hard rock e punk rock e seus fans até o final da década de 1970. A subcultura rocker também influenciou o ressurgimento do rockabilly e a subcultura psicobilly.

No início dos anos 1970, a cena rocker absorveu novas influências vindas da California: hippies e Hells Angels. Os rockers remanescentes ficaram conhecidos como greasers, o movimento tinha morrido em forma, mas não em espírito. A cena rocker seria resgatada a partir de 1994 quando os oficiais da polícia Mark e Robert Wilsmore e outros organizaram a primeira Ace Cafe Reunion para marcar o 25º aniversário do fechamento do famoso cafe, que seria reaberto em 1995 por investidores e estabelecendo uma serie de eventos. Estes eventos atraem atualmente mais de 40 mil motociclistas.


Mod é uma subcultura que começou em Londres em 1958 e se espalhou por toda a Grã-Bretanha, eventualmente influenciando modas e tendências em outros países, e continua até hoje em menor escala. Focada na música e moda, a subcultura teve suas raízes num pequeno grupo de jovens londrinos em fins dos anos 1950 que eram vistos como modernistas por ouvirem jazz moderno, daí o termo mod. Estes jovens começaram a rejeitar o estilo tímido, monótono, antiquado e pouco inspirado da cultura britânica. Eles buscavam um estilo mais sofisticado, inteligente, e moderno. Elementos significantes da subcultura mod incluem moda (frequentemente ternos sob medida, camisas de grifes); música (incluindo soul, ska e Rythm & Blues); e scooters como Lambretta ou Vespa. Revistas e filmes italianos e franceses eram uma das várias referências de como agir e se vestir. Estudiosos e historiadores apontam várias influencias que ajudaram a formar o movimento: jovens londrinos dos subúrbios, a cultura beatnik, a cena boêmia de Londres, os estudantes de arte. Os Bares-café eram mais atrativos para estes jovens britânicos, porque em contraste com os pubs que fechavam às 23 horas, funcionavam atá o fim da madrugada. Deste modo, a cena mod original foi associada com noitadas em clubes de dança movidas a anfetaminas. Como o transporte público não funcionavam durante a madrugada, os mods utilizavam pequenas scooters italianas condizentes com seu modo de se vestir para se deslocarem nas noites londrinas. Como um modo de protesto contra uma lei inglesa que obrigava todas as motos a utilizarem pelo menos dois retrovisores, vários mods passaram a decorar exageradamente suas scooters com dezenas de espelhos.


Entre o começo e meados dos anos 1960, como o movimento mod cresceu e se espalhou pela Inglaterra, certos elementos da cena mod começaram a se engajar em bem noticiadas batalhas contra membros de uma subcultura rival, os rockers. Em 1965 os conflitos entre mods e rockers começaram a diminuir e começaram a modificar cada vez mais a arte pop e a psicodelia. Londres se tornou sinônimo de moda, música e cultura pop naqueles anos, um período frequentemente conhecido como "Swinging London". Durante este período, o estilo mod começou a se espalhar por outros países e se tornou popular nos Estados Unidos deixando de ser vista como uma subcultura isolada, e sendo vista como a mais emblemática cultura da juventude daquela época.

O declínio do movimento começou quando empresas de vestuário passaram a comercializar roupas prontas com estilo mod, e este estilo começou a aparecer em programas populares na TV. Como o rock psicodelico e a subcultura hippie se tornaram muito populares na Grã-Bretanha, muitos mods passaram a seguir estes movimentos. Em fins de 1968, um gosto por roupas mais despojadas, menos dependente de estilo começou a surgir, bem como um certo desinteresse pela vida noturna. Bandas como Small Faces e The Who começaram a mudar de estilo e se distanciaram do mod. Além do que, os mods originais do começo dos anos 1960 estavam chegando na idade de se casarem e terem filhos e não tinham mais tempo e dinheiro para gastar em clubes noturnos, lojas de discos e roupas estilosas. Durante esta época, alguns mods ainda resistiram ao tempo e gradualmente se desligaram dos elementos da Swinging London, que consideravam "soft mods" ou "peacock mods". Estes "hard mods" que geralmente viviam com imigrantes indianos em áreas pobres do Sul de Londres, começaram a adotar um estilo mais rude com chapéus Trilby e calças curtas. Estes aspirantes a "negros brancos" passaram a ouvir ska jamaicano e se misturaram com imigrantes e negros em clubes noturnos indianos. Estes hard mobs mergulharam na cultura negra, pois a educada classe média, o movimento hippie orientado às drogas e a música intelectual não eram mais relevantes para eles. No fim dos anos 1960, estes hard mobs passaram a ser conhecidos como skinheads, que por conta de seu grande fascinio pela cultura negra, eram nestes primeiros tempos, desprovidos do racismo e do fascismo que iriam ser associados ao movimento nos fins dos anos 1970. Estes primeiros skinheads mantiveram alguns elementos do estilo mod, como camisas Fred Perry e Ben Sherman, calças Sta-Prest e Jeans Levi's, mas misturados com acessórios da classe trabalhadora como suspensórios e botas de trabalho Dr. Martens. Durante os disturbios em Brighton, muitos mods foram vistos vestindo botas e suspensórios e por motivos de praticidade nos trabalhos industriais, cabelos raspados.

O filme Quadrophenia de 1979 influenciou vários revivals do movimento mod com rallies de scooters, encontros de entusiastas e bandas influenciadas pelo movimento como The Jam, The Secret Affair, The Specials e The Chords que inicaram a new wave music. Este revival britâncio foi seguido por um revival na América do Norte no início dos anos 1980 principalmente no Sul da California, Los Angeles e Orange County, com grande diversidade racial com negros, brancos, hispânicos e asiáticos participando das comemorações. Nos anos 1990, bandas foram notadamente influenciadas pelo estilo mod, como Oasis, Blur, Ocean Colour Scene e The Verve.


Desde que os movimentos mod e rocker começaram a dividir espaço nas ruas de Londres, os rockers com seu estilo rústico de se vestir, passaram a taxar os mods como efeminados por se vestirem de modo esmerado e pilotarem pequenas scooters italianas. De troca de insultos no trânsito a pequenos confrontos noi dia a dia, mm maio de 1964, a BBC passou a noticiar amplamente prisões de rockers e mods após grandes arruaças em balneários no sul da Inglaterra, como Margate, Brighton, Bornemouth e Clacton. Os confrontos começaram em Clacton e Hastings durante o fim de semana de Páscoa. O segundo round começou durante o fim de semana de pentecostes em Brighton onde os confrontos duraram dois dias e aconteceram ao longo da costa até Hastings. Na época ambos os movimentos foram estigmatizados como grupos de jovens arruaceiros desajustados. Desde então, a rivalidade entre os dois movimentos ganhou um capítulo a parte na história das subculturas e dificilmente não se fala sobre os mods sem citar os rockers ou vice versa.

Bosozoku


Bosozoku, literalmente "tribo fora de controle", é uma subcultura japonesa associada com motos customizadas, geralmente ilegais, que removem os silenciosos de suas motos para fazerem barulho. Estes grupos às vezes pilotam sem capacetes, o que é ilegal no Japão, também praticam condução perigosa, costurando entre os carros e furando o sinal vermelho. Outra atividade é correr pelas ruas, não usualmente para competir, mais por diversão. Com muitas motos envolvidas, um lider conduz o evento onde é proibido que outros motoqueiros o ultrapasse. A polícia japonesa os chama de Maru-So (provavelmente um código) e ocasionamente envia viaturas para rastrear os grupos de motocicletas a fim de prevenir incidentes que podem incluir pilotar pelos suburbios muito lentamente criando grandes distúrbios ou começar brigas que podem envolver armas como espadas de madeira, canos de metal, tacos de baseball e até coquetel Molotov. Estas gangues bosozoku são geralmente compostas por pessoas menores de idade, que no Japão é abaixo dos 20 anos. Eles foram vistos pela primeira vez nos anos 1950 quando a indústria automobilística japonesa se expandia rapidamente. Os precursores dos bosozoku foram os kaminari zoku ("Tribo do Trivão"), motociclistas urbanos mais parecidos com os rockers britâncios. Muitos, se não todos, membros do bosozoku vieram de classes baixas da sociedade, que podem ter usado as atividades de gangue como uma forma de expressar seu desafeto e sua insatisfação com a sociedade japonesa.

Nos anos 1980 e 1990, os bosozoku frequentemente realizavam passeios massivos, onde 100 ou mais motoqueiros transitavam lentamente por vias expressas e grandes rodovias causando o caos no trânsito. Passavam pelos pedágios sem pagar e ignoravam a ordem da polícia para pararem. O dia de Ano Novo era a ocasião mais popular para passeios em massa. Os motoqueiros muitas vezes batiam nos carros, ameaçavam ou agrediam motoristas ou qualquer espectador que entrasse em seu caminho ou se queixasse de seu comportamento. O auge das gangues foi em 1982 com mais de 42,5 mil membros. Em 2004 o governo japonês revisou e alterou as leis de trânsito que deram a polícia maior poder para prender motoqueiros envolvidos em direção perigosa. Com o aumento das detenções, o número de participantes do bosozoku entrou em declínio. Em 2010 a polícia reportou que a nova tendência entre o bosozoku é rodar em grupos muito menores pilotando scooters no lugar de motos pesadamente modificadas. A prefeitura de Aichi declarou ter o maior número de membros, seguida por Tóquio], Osaka, Ibaraki e Fukuoka. Em fevereiro de 2011, a Polícia Nacional do Japão anunciou que o número de membros nas gangues caiu para 9.064, o menor número desde o começo da análise em 1975. O número de gangues caiu de 507 para 76 em 2009. Em 2013 a Agência Nacional de Polícia reclassificou as gangues de bosozoku como organizações "pseudo-yakuza".

As motos típicas do bosozoku são customizadas de forma muito peculiar, que consiste em motos japonesas comuns que parecem misturar elementos das motos chopper norte-americanas com as cafe racers britânicas, como guidões altos das chopper e carenagens encontradas nas cafe racers, mas que nas bosozoku são enormes e usualmente são instaladas numa posição muito mais altas e em ângulo inclinado para cima. Pinturas exageradas nos para-lamas e tanques com chamas ou estilo kamikaze com desgins do sol nascente também são comuns. As motos são frequentemente adornadas com adesivos ou bandeiras com o símbolo ou logo da gangue. Eles também aplicam elementos regionais nas modificações de suas motos. Por exemplo os bosozoku Ibaraki são conhecidos por modificar suas motos com exageradamente pintadas de amarelo ou pink, carenagens superdimensionadas como uma torre adornadas com luzes de natal.


O visual estereotipado do bosozoku é geralmente retratado, e até caricaturizado, de muitas formas pela mídia japonesa em animes, filmes e mangás. O típíco membro bosozoku frequentemente é visto em uniformes que consistem em um macacão daqueles típicos utilizados por trabalhadores ou um tokko-fuku, um tipo de sobretudo militar usualmente vestidos sem camisa por baixo expondo o torso enfaixado e calças por dentro de coturnos. Estes uniformes isnpirados nos pilotos kamikaze são adornados com slogans militares, emblemas patrioticos com o sol nascente, caracteres ancestrais chineses ou manji. Jaquetas de couro geralmente bordadas com logos de clubes ou gangues e óculos de sol redondos também fazem parte do visual bosozoku. O corte de cabelo geralmente é no estilo pompadour muito parecido com o visual greaser/rocker ou talvez por causa da associação deste estilo de cabelo com os bandidos da Yakuza. Máscaras cirúrgicas também são usadas pelos bosozoku. As garotas do bosozoku tipicamente se vestem em estilo similar, mas com variações femininas com longos cabelos tingidos, botas de salto alto e maquiagem. As influências do bosozoku podem ser vistas em filmes como Akira, Wild Zero, Sayonara Speed Tribes. Nos mangás Shonan Junai Gumi, Hot Road, Beelzebub e Durara.


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