Quando a conversa de boteco chega na questão do torque e potência, o mais entendido da turma diz que: "motores com maior torque privilegiam acelerações, enquanto motores mais potentes garantem uma maior velocidade final". Bem, não é tão simples assim. E a primeira coisa a se considerar é que torque e potência são grandezas físicas diferentes, mas que estão ligadas entre si. Uma depende da outra, pois de forma simples, pode-se dizer que a potência é resultante do torque multiplicado pelos giros (RPM) do motor. Ou seja, a potência depende do torque para existir.
Na física, o torque é a "força aplicada a uma alavanca, ou momento angular". Enquanto a potência é "a rapidez com que o trabalho é realizado." ou "rapidez com a qual uma certa quantidade de energia é transformada em trabalho".
Mas para entender melhor, vamos de bicicleta. Imagine que ao andar de bicicleta, sua perna consiga aplicar uma força equivalente a 12 kg sobre o pedal (este é seu torque), e que numa estrada plana, você esteja girando 30 pedaladas por minuto, o que te dará potencial para cumprir sua viagem em 1 hora (esta é sua potência). Considere que você resolveu aumentar o ritmo para 60 pedaladas por minuto aplicando a mesma força de 12 kg em cada pedalada, isto fará com que você tenha potencial para cumprir esta viagem em apenas meia hora, ou seja sua potência aumentou quando você resolveu aplicar o torque mais vezes por minuto. No mundo dos motores é a mesma coisa: o torque é aplicado no virabrequim e quanto mais vezes por minuto este torque for aplicado, maior será sua potência resultante. Para ilustrar esta afirmação, vamos analisar duas motos da Yamaha: de um lado, a YZF R1 que tem um torque de 11,5 kgf.m que girando a incríveis 13.500 rpm, consegue gerar 200 hp de potência. Do outro lado, a MT01 com seu imenso motor aplicando um torque de 15,3 kgf.m mas que gira pouco: a 4.750 rpm gera "apenas" 90 hp de potência. Se estas duas motos tivessem que acelarar de 0 a 100 km/h, a R1 cumpriria este trabalho em menos tempo, pois tem maior potencial para isto, apesar da MT01 ter quase 50% a mais de torque. O mesmo se pode dizer da velocidade final, pois enquanto a MT01 chega a uma velocidade máxima de 210 km/h, a R1 ultrapassa os 300 km/h. Isto reforça o conceito de que torque e potência atuam ao mesmo tempo no desempenho e comportamento de um veículo.
O ciclista aplica torque no pedal para girar a coroa e ter potência para que a bicicleta se movimente... e um motor segue o mesmo princípio, ele utiliza pistão, biela e virabrequim para simular os movimentos de uma pedalada. Mas o torque não é aplicado pelas pernas de um ciclista, mas pela explosão da mistura ar-combustível nas câmaras de combustão.
Mas o que define o temperamento explosivo de uma moto esportiva? Ou o comportamento mais tranquilo e vigoroso de uma custom? E a resposta está na arquitetura de cada motor. O objetivo de toda moto esportiva é ser rápida, concluir suas tarefas no menor tempo possível, o que demanda potência. E se altos giros geram alta potência, então o jeito é desenvolver motores que girem rápido. Nas motos esportivas, a cilindrada total do motor é dividida em vários cilindros, resultando em pistões leves que conseguem subir e descer com maior facilidade durante os ciclos do motor. A Yamaha R1, por exemplo, tem seus 998 cm³ divididos em 4 cilindros de 249 cm³ cada, onde os pistões conseguem trabalhar a 13.600 rpm. A força total destes 4 pequenos pistões aplicada sobre o virabrequim é de 11,5 kgf.m, mas o motor precisa "voar" a 11.500 rpm para ter esta força disponível. Resulta numa moto com um motor ágil e de respostas rápidas, mas que precisa estar sempre em altas rotações para funcionar com eficiência.
Nas grandes motos estradeiras, a engenharia busca a solução contrária: distribuir a grande cilindrada do motor no menor número de cilindros possível. No caso da Harley-Davidson Road King, seu motor tem 1670 cm³ divididos em 2 cilindros de 835 cm³ cada. Dentro destes imensos cilindros, pistões grandes e pesados tem maior inércia e portanto giram menos vezes por minuto durante os ciclos de funcionamento do motor. Mas por outro lado, toda vez que a explosão do motor "empurra" estes pistões pesados para baixo, o virabrequim recebe uma maior força aplicada, ou seja maior torque. Isto explica o porquê da Road King ter sua força de 14.5 kgf.m com apenas 3.250 rpm, ou seja, já na primeira marcha a força está totalmente disponível. Neste tipo de moto, sente-se um comportamento mais vigoroso e o conforto de manter velocidade de cruzeiro em baixas rotações, onde as reduções de marcha quase não são necessárias em subidas de ladeiras ou em retomadas de velocidade e manter velocidade. Mas como não consegem muitos giros, também não conseguirá grande potência ( a Road King tem potência estimada em 84 hp) para acelerações tão rápidas ou velocidades finais tão altas.
Num motor com vários cilindros, os pistões tendem a ser menores e mais leves, permitindo ao motor girar mais vezes por minuto... enquanto motores com menos cilindros tendem a ter pistões maiores e mais pesados, gerando maior força e menos rotações
E talvez as motos pequenas sejam as que melhor expliquem os efeitos do torque e da potência, ou a falta deles. Aqui vamos utilizar duas monocilíndricas: uma Yamaha YS 250 Fazer e uma Royal Enfield Bullet 500 EFI como exemplo. Num trecho plano de rodovia, ambas conseguirão tranquilamente uma velocidade de cruzeiro de 100 km/h, pois ambas tem praticamente a mesma potência 21 hp na Fazer e 27 na Bullet. Mas se ambas estiverem carregadas com bagagens, garupa e começarem a subir uma serra íngreme, a Bullet 500 sentirá menos os efeitos do peso extra e o efeito da gravidade na subida, graças ao seu torque de 4,3 kgf.m, enquanto a Fazer perderá bem mais velocidade, pois seu torque de apenas 2.1 kgf.m terá mais dificuldade em girar o virabrequim e continuar gerando a mesma potência que conseguia no trecho plano da estrada.
Claro que a capacidade de torque e de girar em altas ou em baixas rotações de um motor, dependerá de vários outros fatores como eficiência na queima de combustível, taxa de compressão, materiais empregados, comprimento das bielas, diâmetro dos cilindros, comando de válvulas etc. Da mesma forma que o desempenho na estrada também leva em conta o peso total da moto, tipo de pneu, aerodinâmica do conjunto, etc. Então, ao analisar a ficha técnica de um modelo, além da potência final, o torque e as rotações com que ambos são alcançados, também ajudam a ter uma idéia do comportamento e desempenho de determinado modelo.